Gaspar Gasparian (1899 - 1966) é um caso incomum na fotografia brasileira. Sua paixão pela fotografia concretizou-se em 1942 quando iniciou formalmente sua trajetória no recém criado Foto Clube Bandeirante. Fundado em 1939, o clube reunia um grupo de aficcionados e profissionais liberais da cidade de São Paulo, e tornou-se parcialmente responsável por introduzir a estética moderna instaurada na fotografia brasileira a partir do final dos anos 1940. Conhecido mais tarde por Escola Paulista, o Foto Clube Bandeirante ampliou o universo imagético de Gasparian, que construiu com entusiasmo e dedicação seu próprio caminho dentro de um ambiente que buscava valorizar e ampliar a idéia da fotografia como manifestação cultural.

Em mais de vinte anos de intensa atividade fotográfica, é possível detectar em seu percurso com a linguagem alguns momentos, diferenciados e superpostos, que definem claramente sua opção pela imagem. Inicialmente, explorou as possibilidades da fotografia pictorialista, criando em seu estúdio impecáveis exercícios de luz e sombra, texturas e composições, diante de elaboradas cenas de natureza morta. Mais tarde, enveredou-se na fotografia urbana, elegendo São Paulo como cenário para essa produção. Nas viagens internacionais, nasce também o fotógrafo viajante, que aproveitava para produzir fotografias que enfatizavam composições elegantes e, independentemente do país que visitava, fica evidente que seu repertório imagético possuía características próprias. Finalmente, enveredou-se na fotografia moderna chegando em alguns momentos à abstração.

Sua sensibilidade apurada e seletiva nos deixou um legado com centenas de cópias de época e negativos em médio formato, agora organizados no Acervo Gaspar Gasparian criado por Gaspar Gasparian Filho, com a finalidade de preservar esta memória fotográfica e divulgar as imagens realizadas no período de ouro do fotoclubismo no Brasil. Em 1950, com alguns colegas do Bandeirante, ele criou o Grupo dos Seis, para aprofundar as discussões da técnica e da linguagem fotográficas, buscando se descolar da rigidez dos parâmetros estabelecidos pelo movimento fotoclubista.

A iniciativa de realizar exposições, livros e catálogos, além de garantir a presença de alguns trabalhos em poucas e importantes coleções, foram ações que consolidaram o nome de Gaspar Gasparian na produção cultural fotográfica brasileira. Neste ano de 2011, a produção de um portfólio com 25 fotografias selecionadas e tiragem limitada, aponta um novo caminho e busca ampliar a presença da sua fotografia em coleções privadas e institucionais. O responsável pela produção das cópias é o fotógrafo Valdir Cruz (assistido por Sabrina Pestana), cuja experiência como printer é inquestionável, pois imprimiu, entre outros, para Horst P. Horst, George Tice e produziu o portfólio do mestre Edward Steichen há cerca de vinte e cinco anos.

O portfólio foi impresso no papel japonês Oriental - Seagull VC (variable contrast), FB II (fiber base), com superfície warmtone. Um papel que foi desenvolvido para aceitar a tonalidade do selenium (que vai garantir a durabilidade e a permanência da fotografia) com mais facilidade que os demais. A opção por este papel deu-se por várias razões, entre elas, por permitir uma leitura mais aprimorada das áreas de sombras e ter um tom quente que leva a uma proximidade com uma cópia de época. O que se buscou nesta tiragem foi aproximar o máximo possível das cópias disponíveis, que se tornaram referências para a impressão contemporânea.

A edição deste portfólio traz fotografias com a influência pictorialista, algumas cenas urbanas da cidade de São Paulo, alguns recortes e grafismos realizados em viagens no Brasil e no exterior, elegantes composições, construções elaboradas no estúdio (natureza morta) e abstrações. Um repertório aparentemente eclético mas que evidencia toda a versatilidade de Gaspar Gasparian desenvolvida ao longo de sua trajetória. Na essência, um verdadeiro fotógrafo amador que após suas longas jornadas de trabalho como empresário bem sucedido, dedicava-se com entusiasmo à arte fotográfica.

A produção da imagem final é quase sempre um fragmento recortado de um negativo mais amplo, que traz outras informações que não foram valorizadas pelo fotógrafo. Outro dado importante é que quase sempre a cena é fotografada mais de uma vez e com pequenas variações no enquadramento, para que esta escolha final seja determinada dentre as várias opções. Perceber isso significa constatar seu procedimento de trabalho, valorizar os rastros deixados intencionalmente pelo fotógrafo para quem sabe no futuro viabilizar análises e leituras sobre a imagem.

É típico desta geração fotoclubista não apagar as pistas do processo de criação, pois como havia uma discussão semanal, regular e intensa, sobre as técnicas utilizadas e as variações estéticas, era necessário criar uma espécie de memorial para recuperar quando fosse preciso. E Gasparian, que utilizou diversos procedimentos que buscavam aperfeiçoar cada vez mais sua fotografia, deixou dados suficientes para entendermos seu trabalho e suas escolhas. Graças a isso é que podemos hoje repetir os cortes e aproximar os tons e as texturas de suas fotografias.

Com um olhar educado para a fotografia que se praticava no período, Gasparian tinha a sutil capacidade de observar o cotidiano e, como num passe de mágica, registrar com a sintaxe da modernidade fotoclubista. Suas fotografias tem força compositiva tanto através de perspectivas e diagonais nem sempre visíveis, quanto em formas que se repetem e criam ritmos e movimentos. Isso é que dá ao seu trabalho características próprias, mas sintonizadas com a estética revolucionária do período.

O Brasil não tem tradição na área de preservação e memória. A preservação da produção artística na cidade de São Paulo, que cresceu assustadoramente em poucas décadas, também é precária. Felizmente, as fotografias de Gaspar Gasparian foram preservadas pelo seu filho caçula, num primeiro momento por serem fragmentos de uma memória familiar que poderiam ser resgatadas como momentos intensos e afetivos, mas num segundo momento, foram recuperadas para se reorganizarem em torno de uma memória coletiva, em que predomina a estética fotográfica do movimento cultural gerado pelo Foto Clube Bandeirante.

O Acervo Gaspar Gasparian permite através da publicação deste portfólio ampliar a possibilidade de disseminar um trabalho de arte fotográfica que poderá agora ocupar um espaço significativo nas coleções públicas e privadas. Uma iniciativa totalmente diferenciada que valoriza uma obra sofisticada do ponto de vista construtivo e original pela sua complexidade figurativa.

Por: Rubens Fernandes Junior
Professor e Diretor da Faculdade de Comunicação da FAAP
Pesquisador e crítico de fotografia